Miguel Francisco "Michel", um sobrevivente do massacre de triste memória, usou as redes sócias e alertou:
Quarenta e seis anos passaram, desde àquele trágico, mas célebre e histórico dia 27 de Maio de 1977, em que um grupo de corajosos militantes do MPLA ousou, legítima e justamente manifestar-se, por não concordar com a estratégia que um grupo de dirigentes perfeitamente identificável, escudado na figura do Presidente Neto tentava, a todo custo, traçar um rumo que claramente se desviava dos objetivos pelos quais os verdadeiros patriotas de todos os matizes políticos sacrificaram suas vidas, para resgatar a honra e a dignidade dos angolanos negadas durante séculos de domínio e humilhação colonial na sua própria terra, objectivos consagrados nos estatutos e Programa do MPLA, que Nito Alves e demais militantes defendiam ferreamente.
A resposta à manifestação foi a violenta repressão levada a cabo pelo referido grupo, que qualificou a manifestação de tentativa de golpe de estado, pior: “INTENTONA FRACCIONISTA”, rótulo que um dos mentores e activo dirigente do massacre – Costa Andrade, “Ndunduma”, dolosamente concebeu e atribuiu à alegada tentativa de golpe de estado, a seguir amplamente difundida na imprensa pública, cujo editorial, tinha como epígrafe, “É PRECISO BATER NO FERRO QUENTE”, tudo com o vil propósito de instigar os carrascos sedentos de sangue, para que acelerassem e intensificassem a matança selectiva de milhares de militantes no seio do MPLA.
Por incrível que pareça, apesar da evidência dos factos que hoje abundam, os mentores da barbárie ainda insistem na narrativa do “fraccionismo” e da alegada tentativa de golpe de estado, enquanto o sensato seria sugerirem à Direcção do MPLA e do seu Governo a criação de uma Comissão da Verdade, para definitivamente se esclarecerem as enormes dúvidas sobre o que realmente se passou e o que esteve na base da sangrenta repressão. Percebe-se. Não tendo outro argumento para justificar a barbárie que levaram a cabo, não lhes resta uma alternativa que não seja a de socorrer-se deste expediente torpe da narrativa da “intentona fraccionista”. No entanto não dizem por que razão se realizavam àquelas reuniões no Alvalade, na casa do Júlio de Almeida “Comandante Jújú”, reuniões que se prolongavam até altas horas. O que é que o grupo discutia naquelas reuniões? Isso para os mentores da barbárie como o Hermínio Escórcio, não é fraccionismo. Tudo no fundo, não passou de pretexto para concretizar um plano que há muito o referido grupo vinha preparando.
O senhor Presidente da República ainda vai a tempo para corrigir os gravíssimos erros cometidos pela CIVICOP, que certamente manchou a imagem do Estado interna e externamente e a sua própria. Daí que sugiro ao senhor Presidente que ordene a criação de uma Comissão da Verdade, para que os responsáveis pela chacina de 27 de Maio, muitos ainda em vida e perfeitamente identificáveis, confessem nesse órgão os crimes que cometeram e indiquem o lugar onde sepultaram as vítimas, para posteriormente então levar-se a cabo o processo de certificação rigorosa das ossadas por peritos em antropologia forense. Só assim será possível a reconciliação entre as vítimas e os algozes, observando rigorosamente as recomendações quer das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, assim como da União Africana sobre Justiça Transicional, que o Estado de Angola aderiu e presumo que tenha ratificado.
Sempre me bati e bater-me-ei até ao último dia da minha existência, individual ou coletivamente, para a descoberta da verdade do que realmente esteve na base da barbárie que vestiu de vergonha o Estado de Angola, interna e externamente, concluiu aquele sobrevivente do massacre de 27 de Maio de 1977 que vitimou cerca de 80 mil pessoas.